Segunda fase do Rota 2030 sai até o fim de julho, diz secretário

Passado o período dos incentivos para a compra de carros com desconto, o foco das discussões entre setor automotivo e governo federal se voltam para a segunda fase do programa Rota 2030. Entre as mais importantes e polêmicas novidades, estão a definição sobre a tributação de carros 100% elétricos, isentos de Imposto de Importação desde 2015, e mudanças no sistema de medição das emissões de poluentes dos veículos.
Segundo o secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços, Uallace Moreira, as regras da próxima etapa do programa, para o período entre 2023 e 2028, serão anunciadas até o fim deste mês ou, no máximo, início do próximo.
Moreira não revela se o governo já decidiu pelo fim da isenção do Imposto de Importação para carros 100% elétricos, como pede grande parte das montadoras com fábricas no país. Por ser ele um dos principais responsáveis pelas discussões que levam à definição das regras governamentais voltadas para a indústria automotiva é na porta do seu gabinete que batem, com frequência, os representantes do setor.
“Há um debate acalorado”, afirma. “Mas isonomia é o papel da política pública. Temos que observar o efeito final para o país e para a sociedade”. Para Moreira, a política industrial no Brasil “foi sempre vista como aquela que beneficiava A ou B”.
Política industrial no país foi sempre vista como a que beneficiava A ou B
Uallace Moreira
A volta do Imposto de Importação para carros elétricos está diretamente ligada às estratégias que cada montadora tem definido para o país. Duas grandes – Volkswagen e Stellantis — defendem a produção de carros híbridos que possam ser abastecidos com etanol, como já faz a Toyota.
As empresas que começam a preparar fábricas no Brasil, como as chinesas Great Wall e BYD, querem um tempo mais longo de importação livre de imposto para o Brasil conseguir se preparar para a produção de carros totalmente elétricos. É o que também defende a General Motors e importadores.
“Nós não temos preferência. O que importa é saber se o que for decidido dará ao Brasil inserção internacional”, destaca o secretário. “Queremos avaliar as melhores rotas e sua inserção externa de forma mais competitiva”.
Professor, mestre e doutor em desenvolvimento econômico, Moreira é pesquisador do setor automotivo há muitos anos e desenvolveu diversos trabalhos acadêmicos sobre o tema. Percebeu, ao longo dos estudos, o avanço da globalização integrada do setor automotivo. Por isso, para ele as discussões sobre rotas tecnológicas e políticas setoriais devem envolver o mercado externo. “Temos um coeficiente de exportação baixo”, afirma. “Historicamente, a exportação se transformou na saída quando o mercado interno ia mal”, destaca.
Para o secretário, o setor automotivo no Brasil tem demonstrado capacidade de consolidar investimentos em inovação e conta com boa engenharia. “É um dos setores que pode avançar internacionalmente, incluindo as autopeças”, afirma. Para as autopeças, segundo ele, seria saudável diminuir a dependência das montadoras no mercado interno.
Daí a importância de programas como o Rota 2030 direcionarem os incentivos à pesquisa e desenvolvimento. O Rota 2030 foi lançado no fim do governo de Michel Temer, dando sequência a outros programas – Regime Automotivo em 1996 e Inovar-Auto em 2012 -, criados para promover a competitividade de setor. Com a volta do Ministério da Indústria, em janeiro, quando Moreira se juntou à pasta, os diálogos têm avançado.
Num momento em que muitos discutem se a indústria automotiva instalada no Brasil corre o risco de ficar ultrapassada por não acompanhar o processo de eletrificação global, Moreira aposta que o parque brasileiro “consegue se transformar”. E se algumas fábricas fecharam outras estão chegando.
No caso da tributação dos elétricos, na mesa do governo estão duas propostas principais. A da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) defende o aumento do Imposto de Importação de carros elétricos de zero para a alíquota máxima, de 35%, com sistema de cotas, que poderão variar. Um dos critérios é o grau de investimentos para produção local. As cotas estariam limitadas a um volume equivalente a 2% da produção local.
Do lado oposto está a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), que representa importadores e parte de empresas com fábricas instaladas ou prestes a produzir. “Acreditamos que não é o momento ainda para acabar com o benefício. A venda somada de elétricos e híbridos em 2022 foi equivalente a 2% do mercado total; a dos 100% elétricos (que são isentos de Imposto de Importação) não chegou a 0,5%”, destaca Ricardo Bastos, presidente da ABVE. “O aumento do imposto agora limitaria o acesso do consumidor à nova tecnologia”, completa.
Outra mudança que vai marcar a segunda fase do Rota 2030 diz respeito à forma de medir as emissões dos veículos. A regra atual é chamada no setor de “tanque à roda”. Ou seja, calcula apenas as emissões associadas ao uso do veículo e o que sai do seu escapamento. A nova metodologia vai levar em conta o chamado “do poço à roda”, no caso dos combustíveis fósseis ou “do campo à roda” no caso de biocombustíveis como etanol. Nessa conta, entram as emissões dos processos de cultivo e extração de recursos para a geração daquela energia.
Essa mudança é bastante aguardada pela indústria. Os defensores do etanol apontam a metodologia “do poço à roda” como a melhor para desmistificar a ideia de que todo carro elétrico usa energia limpa. Embora no Brasil, a eletricidade seja, em grande parte, gerada de fontes limpas, outros países usam usinas termelétricas, que são poluentes.
Alheio às brigas no setor empresarial, Moreira defende programas como os automotivos como uma forma de promover a inovação. “O Rota 2030 veio preencher uma lacuna que foi aproximar a indústria dos institutos de pesquisa”, destaca.
Para o secretário, o país não deve temer a inovação. O professor que é baiano e vinha de uma temporada na Coreia do Sul, onde atuava como pesquisador visitante ao ser convidado pelo ministro Geraldo Alckmin a integrar sua equipe, aponta o caso coreano. “A Coreia do Sul tem o maior nível de robotização do mundo e tem uma taxa de desemprego de 3,7%”, destaca.
“Às vezes me perguntam: por que discutir política industrial? A política industrial que queremos tem que se voltar para a sociedade e gerar emprego e renda. Qualquer país rico gera emprego de alta renda”, destaca.
Fonte: Valor Econômico