Rota 2030 pode tornar a ferramentaria automotiva brasileira competitiva

A indústria automotiva é complexa e ampla, e abrange vários agentes. Na ponta desta cadeia, um segmento pode passar despercebido, mas é de suma importância para o setor: o de ferramentarias. Tanto que o Rota 2030 tem uma frente específica para desenvolver a ferramentaria brasileira, que já recebe a atenção de diversas montadoras de veículos.
Coordenada pela Fundação de Apoio da Universidade Federal de Minas Gerais (Fundep), e sob apoio técnico do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), a Linha IV do Rota 2030 – Ferramentarias Brasileiras Mais Competitivas já é quase autoexplicativa. Tem como objetivo criar um parque de fornecedores de excelência para que as fabricantes não precisem recorrer a empresas de fora.
“A Linha tem a missão de recuperar um setor da cadeia automotiva que está muito fragilizado e vulnerável com a migração para importações que as montadoras têm feito. E a missão da Fundep é justamente conectar as pessoas para alcançar as metas da linha”, explica Ana Eliza Braga, gestora de Programas da fundação.
Rota 2030 e os desafios da ferramentaria brasileira
A ferramentaria automotiva brasileira enfrenta problemas de baixa produtividade e defasagem tecnológica. Devido a isso, o segmento sofre concorrência feroz de fornecedores asiáticos.
Para se ter ideia, a nível global, o segmento de ferramentarias movimenta US$ 42 bilhões por ano. O Brasil responde por apenas 0,4% deste valor. Estudos mostram que as cerca de 2 mil empresas do setor instaladas por aqui atendem a somente 30% da demanda da indústria automotiva nacional.
Levantamento de 2021 da Associação Nacional das Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) apontou que, apenas no setor automotivo, 26 montadoras e 473 fábricas de autopeças se beneficiariam diretamente de um parque industrial de ferramentarias mais forte no Brasil.
No entanto, a indústria global hoje está concentrada na Ásia, devido aos preços altamente competitivos. Já em relação a fornecedores da Europa e da América do Norte, a ferramentaria brasileira leva desvantagem pelo déficit tecnológico e falhas nos processos produtivos e de gestão.
“O programa prioritário da Linha IV é o único cuja preocupação está em desenvolver o setor, recuperando a competitividade e incluindo o segmento na rota da global dos fornecedores de ferramentais”, diz Carlos Sakuramoto, representante da Anfavea no comitê técnico da Linha IV do Rota 2030.
“A Linha IV é uma das ações importantes para resgatar a competência e perpetuação deste importante setor. Com ações nas linhas de capacitação, tecnologias e inovação, entendemos que haverá um salto considerável para a ferramentaria nacional, desde que haja condições macroeconômicas favoráveis ao reposicionamento e evolução da indústria nacional”, diz Christian Dihlmann, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Ferramentais (Abinfer).
Por esta razão, o projeto liderado pela Fundep pretende atacar os principais gargalos do setor: defasagem tecnológica e capacitação e formação de mão de obra. A ideia é criar fornecedores qualificados para aumentar o suprimento das fabricantes, o que otimizará e reduzirá custos em toda a cadeia automotiva.
Tanto que um dos objetivos é reduzir o ciclo total de desenvolvimento de ferramental em 50% do tempo. “O resultado em custo será uma consequência global dos projetos e de todas as iniciativas deste programa. Sabemos que redução de 50% no ciclo de desenvolvimento não reduzirá em 50% o custo do ferramental, mas estamos trabalhando em paralelo para quantificar o impacto da redução obtida nos custos” destaca Carlos Sakuramoto.
Captação de recursos da Fundep já ultrapassou a meta
A importância da transformação da ferramentaria automotiva brasileira e do Rota 2030 fica evidente nos números. Em três anos – dentro de um ciclo de cinco iniciado em 2019 -, a Fundep captou R$ 175 milhões, superando a meta de R$ 40 milhões/ano. O excedente teve aprovação do Ministério da Economia para ser reaplicado.
Além disso, o programa mobilizou 150 empresas da cadeia automotiva (ferramentarias, montadoras, autopeças, sistemistas, entre outros) e 30 Institutos de Ciência e Tecnológica (ICTs) do país.
“Captamos além e esta é uma resposta de que a Linha IV está funcionando. Temos o desafio de manter o engajamento das empresas e focados em alavancar um volume maior de organizações para avançar com os resultados que estamos desenvolvendo”, ressalta Ana Eliza.
São 41 empresas depositantes, com destaque para grandes montadoras como Volkswagen (R$ 34 milhões), General Motors (R$ 27 milhões), FCA – Fiat Chrysler Automóveis (hoje Stellantis, R$ 25 Milhões), Toyota (R$ 24 milhões) e DAF Caminhões (R$ 5 milhões).
Para essas e outras fabricantes, o fortalecimento do segmento é vital para a própria sobrevivência do setor e garantia de investimentos não só dos grandes automotivos no Brasil, mas também de outras searas.
“As ferramentarias brasileiras são consideradas estratégicas por diversas cadeias de suprimentos. É importante reforçar que muitas competências tecnológicas são geradas e mantidas pelo setor industrial. O enfraquecimento das ferramentarias poderá impactar futuros investimentos em diversos setores da economia brasileira, bem como a própria viabilidade de uma indústria nacional competitiva”, alerta Flavio Pessutte de Castro, gerente Executivo da Ferramentaria da Volkswagen.
As principais frentes da Linha IV do Rota 2030
Desta forma, a Fundep gerencia diferentes frentes para oferecer soluções capazes de integrar a cadeia tecnológica de ferramental, por meio do aumento da produtividade e da competitividade.
São diversos eixos que visam promover a transformação do setor de acordo com altos níveis de qualidade e com os preceitos da indústria 4.0.
PD&I – Projeto Ferramental e Processos de Fabricação
Os programas de pesquisa e desenvolvimento são fundamentais no processo de fomento à ferramentaria automotiva brasileira. Atualmente, são 16 projetos já em execução, que propõem melhorias nas diversas fases de produção.
“Podemos melhorar o nível de maturidade do setor com os projetos PD&I. É uma iniciativa para integrar empresas de todos os portes e criar maneiras dessas empresas avançarem”, adianta Ana Eliza Braga, da Fundep.
“Nós identificamos empresas com dificuldades para precificar os produtos, ajustar os prazos e alinhar expectativas de qualidade. Atuamos de maneira estratégica para auxiliar na solução dos problemas do setor”, completa a executiva.
O objetivo é aplicar processos e materiais inovadores para aumentar durabilidade, reparabilidade e produtividade do segmento. Só para este eixo do programa foram R$ 53 milhões em aportes da Fundep, e outros R$ 36 milhões em contrapartidas econômicas. Ao todo, são 121 empresas e 29 ICTs envolvidos.
“Estes projetos de PD&I também têm olhar no futuro. Atendendo às legislações de segurança veicular, ao desenvolver conhecimentos, processos e tecnologias para conformação de aços de altíssima resistência, e à necessidade dos veículos elétricos com carrocerias mais leves, desenvolvendo conhecimentos, processos e tecnologias para conformação de painéis de alumínio”, atenta Sakuramoto.
Frente de Formação
A busca por maior competitividade das ferramentarias brasileiras passa pela qualificação de todo o setor. Por isso, em novembro, foi lançada a plataforma Rota in Curso, para oferecer cursos de formação e capacitação não só focados no “chão de fábrica”, como também em processos de gestão.
Com investimentos de R$ 12 milhões, serão 52 cursos gratuitos financiados pela Fundep e ministrados em instituições renomadas, em caráter presencial, semipresencial e EAD. Além disso, as empresas do setor ferramental envolvidas em ações da Linha IV vão receber créditos que poderão ser utilizados para a aquisição destes cursos.
“É imperativo realizar uma revisão no contexto de capacitação e formação de profissionais para o setor de ferramentaria. Devemos construir um novo modelo de educação como forma de preparar as equipes técnicas na direção de processos produtivos mais eficientes e lucrativos”, sugere Dihlmann, da Abinfer.
Segundo o executivo, a forma de preparação dos colaboradores do setor não evoluiu nos últimos anos. “Felizmente há uma iniciativa em andamento, de parte do Senai, empreendendo ações para renovar os cursos de capacitação de ferramenteiros que, no médio prazo, trarão excelentes resultados para nossa indústria ferramenteira”, completa.
Frente de Empreendedorismo e Inovação
Outra frente da Fundep no caminho para aprimorar a cadeia de ferramentaria brasileira passa por inovação e tecnologia. Dividido em dois ciclos, o Rota Challenge já iniciou um mapeamento dos principais desafios do setor ferramental para identificar startups capazes de oferecer soluções adequadas à realidade das companhias.
No primeiro ciclo, foram concluídos mais de R$ 200 mil em novos negócios desenvolvidos pelas startups selecionadas. Neste processo, cinco novas tecnologias foram lançadas para o segmento e duas soluções foram implementadas em maior escala.
No segundo ciclo, com aportes de R$ 790 mil, duas startups desenvolveram três soluções inovadoras para 13 ferramentarias diferentes: Monitoramento de Componentes Críticos; Solução de Tryout Digital; e Plataforma de Gestão de Paradas e Manutenção.
Rota 2030: Conecta Mais
A digitalização dos processos é uma realidade na chamada indústria 4.0 e o setor ferramental precisa acompanhar essa evolução. Por esta razão, uma das ações da Linha IV do Rota 2030 é o Conecta Mais.
Trata-se de uma plataforma capaz de conectar a indústria ferramental e fornecedores de soluções. Desta forma, plataformas digitais propõem fazer uma ponte ágil entre ferramentarias e montadoras/fornecedores para otimizar encomendas e tornar o processo não só mais ágil, como mais assertivo.
As soluções passam também pela detecção de problemas, quase em tempo real, por uma equipe de colaboradores e consultores técnicos. O Conecta Mais já atraiu investimento total da ordem de R$ 20 milhões.
Encomendas Tecnológicas – Novos mercados para ferramentarias
Ampliar os negócios é uma consequência natural do fomento ao setor, mas é preciso que as empresas aqui instaladas aumentem a produtividade como também saibam prospectar melhor futuros clientes e explorar novos segmentos.
A Linha IV irá aplicar até R$ 6 milhões em projetos de Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs), em parceria com ferramentarias e empresas de todo o Brasil. A iniciativa visa atender encomendas tecnológicas para estudar a viabilidade da produção de ferramental para a fabricação de peças plásticas e de borracha.
As encomendas foram mapeadas em parceria com o programa Made in Brasil Integrado (MiBI), uma rede colaborativa para aumento da produtividade e da competitividade do setor automotivo brasileiro instituída pelo Ministério da Economia.
Os projetos vão estudar a viabilidade para se nacionalizar a produção de ferramental para fabricação de peças plásticas e de borracha que ainda não têm produção nacional significativa. Para se ter ideia, hoje o Brasil importa 95% desse tipo de ferramental.
Colaboração para enfrentar a concorrência internacional
Um dos pontos altos da Linha IV tem sido o caráter colaborativo observado pelos gestores da Fundep. As ferramentarias brasileiras perceberam que o desenvolvimento de tecnologias, processos e soluções conjuntas reduz custos, acelera processos e, consequentemente, aumenta a competitividade.
“Nesses três anos de execução da linha IV, as empresas nacionais perceberam que têm chances de melhorar a competitividade se trabalharem colaborativamente, de forma cooperada. Começou com aglomerados de grupos e resultou em projetos de pesquisa, emergindo de um jeito muito interessante”, observa Ana Eliza, da Fundep.
“Os projetos consorciados têm como um dos objetivos a mudança do modelo mental predominante, que se baseia na competição solitária contra os gigantes do oriente, para um arranjo setorial com muita cooperação e colaboração, que poderão competir de forma colaborativa. O concorrente não está do outro lado da rua, mas do outro lado do oceano”, salienta Carlos Sakuramoto.
“A cooperação e competição são as bases do modelo de negócio futuro. Inicialmente estamos desenvolvendo um extenso trabalho de consolidação da Abinfer com o objetivo de organizar e fortalecer o segmento, promovendo as necessárias ações para que o cenário empresarial seja favorável e promissor e que o entendimento do modelo cooperativo seja amplamente aceito”, sugere Christian Dihlmann.
Base forte para investimentos e novos projetos automotivos
Com isso, a Linha IV do Rota 2030 poderá ser fundamental para estabelecer uma base forte para as montadoras instaladas no país. Vale lembrar que a soma da massa de todas as peças metálicas de um veículo, em geral, representa cerca de 85% de sua massa total – e a carroceria metálica representa cerca de 40 a 50%.
Estes números demonstram a importância de ter uma cadeia de ferramentarias forte, não com algumas ferramentarias, mas com o maior número possível, pois não podemos ter gargalos na oferta de ferramentais”, adverte Sakuramoto.
O executivo explica que há uma carência especial no Brasil no desenvolvimento de ferramentais de peças “grandes” e estruturais, principalmente para estampagem de aços de altíssima resistência que são conformados a quente. “Hoje, o setor de ferramentaria não tem capacidade produtiva para atender as demandas locais, no prazo e custo requeridos”, resume.
Tal consolidação do segmento, além de acabar com esses gaps, ainda facilitaria e agilizaria novos projetos automotivos no país.
“Quando há desenvolvimento de novos produtos, principalmente na indústria automobilística, a agilidade e o tempo em que se resolve um problema e se desenvolve uma peça, é fundamental para todo o processo. Portanto, fortalecer a cadeia de ferramentarias, é fortalecer a indústria nacional”, afirma Flavio Pessutte, da Volks.
Fonte: AutomotiveBusiness